sábado, 27 de abril de 2013

Coloque de vez na tua cabeça: ele não vai voltar. Não existe essa história de querer voltar no tempo, nem de remoer o que já foi e o que não volta mais. O que há de vir tem muita força, eu sei. Mas o que já foi… Ah, o que já foi levou o que eu tinha e o que eu tinha planejado ter por um longo espaço de tempo. É como se tivesse deixado o meu caderno de viagens rascunhado em algum lugar e alguém o apagasse, página por página, como se nenhuma daquelas memórias tivesse existido. Não adianta se matar pra resgatar umas memórias esboçadas, meio sujas, de muito tempo atrás. É tudo areia movediça armada secretamente como uma armadilha para te levar pro fundo do poço de uma só vez. Pior ainda é quando foi ele mesmo quem bateu a porta e deixou a chave para ti dar de cara com a casa vazia sem nenhum bilhete de despedida. Encha o copo mais uma vez antes de perceber que ele nem estava vazio. Isso é ansiedade, eu sei. Eu tenho que me ocupar com alguma coisa pra não deixar a cabeça vazia pensando no que já foi. Meu masoquismo sentimental vive em crise ano após ano. Chega o aniversário dele e eu relembro o ano que foi nosso. Chega um e-mail qualquer com um “boa tarde” cordial e eu me lembro do que o nosso acabou num nó desatado. Não é aquela dorzinha gostosa que a gente sente de vez em quando e que a gente guarda só pra lembrar que tá vivo. É constatação de que já foi e já era, sabe? Até eu que tenho tentado parar de fumar por conta de uma alergia boba resolvo acender um cigarro e apagar a luz da varanda pra tentar pensar melhor nisso tudo. Todo amor, por menor que seja, deixa uma impressão. Eu esbarro em ti na esquina e reajo de alguma forma imprevisível. Não tem como tratar como desconhecido quem um dia já foi o alvo das tuas cócegas, a tua ligação de madrugada ou o teu pedido de socorro. Não tem como passar uma borracha e seguir em frente por inteiro. Superar é uma coisa, esquecer é outra e apagar é um processo completamente impossível. Mas, pra mim, o problema mesmo é quando ele se reflete nos rostos dos outros meninos. É besta, eu sei. Só que é como se todos eles pudessem me prometer o que mesmo que ele e, ao mesmo tempo, nenhum deles fosse suficientemente hipócrita para fazê-lo (porque não conseguiriam cumprir). E essa é só mais uma das tantas vezes que eu tento dizer pra mim mesma um “vai lá, deixa disso e queima a foto, deixa de ouvir essas músicas, pensa em outra coisa e aproveita a juventude”, mas acho que envelheci uns trinta anos com essa coisa constante de acordar no meio da noite e gritar por ele. A tarja preta não faz mais efeito e a terapia já me deu o veredito: ele vai acabar contigo aos poucos. Quem disse que eu me preocupo com isso? Sempre que ele reaparece, de alguma forma, ele me estraga. Tenho a impressão de que, por mais que a gente tente se enterrar, ele sempre vai causar uma dessas reações estranhas em mim. Sim, a gente tenta se enterrar. Pelo menos eu cultivo essa ideia de que eu também representei um fardo e espero que ele tenha tido algum trabalho ao jogar tudo fora. Acho que eu não suportaria descobrir que pra ele foi fácil, rápido e indolor. Prefiro pensar do meu modo e até espero que ele apareça algum dia desses de surpresa só pra que eu demonstre uma dessas tais reações estranhas. Eu até quero muito que isso aconteça e que eu sinta de novo uns dez por cento do que eu sentia daquilo tudo. Eu já tomei uns dois comprimidos e já mudei alguns trocentos canais de televisão. É pedir demais que eu abra aquela porta e dê de cara com ele dormindo no sofá com as malas desfeitas, ou é melhor acender outro cigarro e colocar de vez na minha cabeça que ele não vai mais voltar?

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